sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Retrospectiva (2013)


   O ano em que eu fui assaltada. Em que eu disse adeus à minha imunidade. Em que me afastei de alguns amigos. Em que perdi um ídolo, e duas bandas favoritas acabaram. O ano em que descobri o que é não ter tempo. Em que dormir pouco e dormir se tornaram sinônimos. Em que sofri com o aparelho. Em que me senti boba, fraca, feia. Em que recebi alguns nãos. Em que tive que me despedir de quatro filhotes fofos. O ano em que tive que amadurecer mais do que achei que teria. O ano em que tive que dizer “não” algumas vezes.

   O ano em que achei meu Casarão. Em que conheci pessoas maravilhosas. Em que me senti amada. Em que realizei dois sonhos. Em que vi Doctor Who no cinema e quase morri de amor. Em que fui abraçada por mais de três pessoas. Em que li livros maravilhosos, vi filmes incríveis e ouvi músicas inesquecíveis. O ano em que dancei Beatles. Em que me senti feliz, bonita, inteligente. Em que quis abraçar estranhos. O ano em que recebi alguns sins.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Raio x




  Os dedos dos pés pintados com um esmalte que trazia a sensação de ser criança e usar o esmalte escuro da mãe. Paul McCartney nos fones, mas ela juraria que seu Beatle favorito era Ringo. A chuva batendo na janela, enquanto o ar condicionado refrigerava o interior da casa. As pernas nuas devido ao calor, e uma vontade infindável de ser mais do que era. Os pés cansados e grandes que insistiam em rodopiar dançando. As mãos cheias de calos de dedos longos e unhas mal cortadas. Os olhos castanhos cobertos por óculos de grau, que permitiam que ela visse de longe. Um sorriso tímido e torto, sendo corrigido por um aparelho ortodôntico. Os cabelos, longos e recém lavados, caindo por suas costas da maneira que queriam. E lá, por baixo de tudo isso, um coração solitário.

  Um coração que fora quebrado inúmeras vezes. Por aquele de mãos calosas, que não acreditara nela. Por aquele de sorriso torto, que não a vira como mais do que amiga. Por aqueles que ela achou que gostava, mas se enganou. E então, por último, por aquele que tocara seu coração como cordas bem afinadas.

  Um coração que sofrera todas as vezes que a vida decidira fazê-la sofrer. Um coração que respirava abatido, que mal se segurava, mal sobrevivia. Um coração que se apaixonava uma ou duas vezes na semana, por homens que sabia que não teria. Um coração que acelerava quando algo que amava era mencionado. Que amava amar, simples e puramente.

  Levou seu coração ao médico. Se sentou e contou que doía, doía muito, e que não tinha com quem dividi-lo. Sentia que ele era, cada vez mais, um fardo. Que muitas vezes se sentia fisicamente mal por conta de algo que estava dentro de si.
  O médico a olhou nos olhos e alertou:

- Temos duas opções. Realizamos uma cirurgia e retiramos seu coração, substituindo-o por um objeto inanimado de sua preferência, como uma lata de guaraná ou uma xícara de café, ou deixamos seu coração como está. Nesse caso, te indico um remédio, que não cura todos danos, não os permanentes, mas cura quase todos.

- E qual seria? - Uma voz calma, quieta, tímida, medrosa.

- O Tempo. Uso contínuo.

- E os efeitos colaterais?

- Experiência.