Quando eu tinha lá
os meus 12 anos de idade e acreditava que os Jonas Brothers eram os
seres mais lindos do mundo, tudo o que eu queria era alguma coisa que
me aproximasse deles de alguma forma. Encontrei as fan fics. É muito
importante dizer que eu tinha plena consciência de que aquilo ali
não passava de algumas histórias que fãs como eu escreviam para
retratar aquele sonho que tinham, e nunca confundi com a realidade.
Nesse fandom, eu li
muito, porque as autoras usavam uma coisinha chamada Java que tornava
a fanfic interativa, ou seja, você lia como se uma das personagens
fosse você. Era o máximo! Não sei nem dizer quantas vezes eu fui a
namorada do Joe Jonas. haha
A comunidade oficial
(sim, no Orkut) tinha uma página na web com a listagem de todas as
fanfics publicadas, por ordem alfabética. Os autores começaram
postando no Geocities, aquele site do yahoo que permitia que você
criasse uma página com html, e depois passaram a postar no Bol,
quando o Geocities fechou. Mais tarde, foram criando sites destinados
à postagem de fanfictions. No Brasil, eram o Nyah e os Fanfic
Obsession e Addiction. Eles não eram muito inclusivos com relação
a fandoms, limitados a algumas bandas e séries, como McFly e Gossip
Girl.
Lá fora, nos
States, a primeira ferramenta de fanfic foi o LiveJournal. Fácil de
usar e acessível, ele tinha o objetivo de ser um diário virtual,
mas até hoje usam ele para postar fanfics. Além dele, existem o
Fanfiction.net (que tem fanfics em todas as línguas), o tumblr e,
hoje, a maior de todas: o Archive Of Our Own. O AO3, como é
conhecido, também tem fanfics em todas as línguas, e uma lista
quase infinita de fandoms para você escolher.
LiveJournal, FF.net, AO3 |
Mas, voltando à minha
história... Eu queria escrever, e até tentei algumas vezes, aprendi
a usar o Java e tudo o mais, mas nunca consegui sair de algumas
páginas. A ideia de que o leitor que moldaria a história, que
aquele personagem principal seria qualquer um que lesse, acabava me
travando um pouco. Como montar a personalidade de alguém que você
não conhece?
Apesar de amar a
ideia, então, eu não cheguei a publicar nenhuma fanfic no fandom de
Jonas Brothers. Li algumas do McFly e de Crepúsculo (porque
sinceramente, os autores de fanfic de Crepúsculo no Brasil escrevem
mil vezes melhor do que a Stephenie Meyer). Só fui postar alguma
coisa na época de Glee. E não parei. A primeira vez que escrevi
algo com mais de 50 páginas foi uma fanfic, e tudo o que eu queria
era que as pessoas lessem o que eu estava escrevendo. A cada
atualização de capítulo, eu recebia elogios, e eram eles que me
faziam escrever mais e mais e mais.
Onde quero chegar
com isso? Bom, acho que devo começar do começo. As fan fics (curto
para fanfictions, ou ficção
de fãs) são histórias escritas, como o nome diz, por fãs de
determinada série, livro, filme, enfim, algum universo já
existente, utilizando seus
personagens já existentes. Como não são publicados, não violam
qualquer tipo de direito.
Acontece que,
atualmente, há um esforço grande para publicar livros no formato
digital. No meio disso tudo, vimos
50 Tons de Cinza, uma fanfic de Crepúsculo, ser
publicada como livro e vender MUITO bem. A autora Lisa Jane Smith, de
Diários do Vampiro, começou a dar continuidade à série de livros
através de fanfics que ela mesma escreveu...
Isso
levanta algumas perguntas legais sobre o futuro das publicações,
dos livros e das fanfics. No fandom de Glee, três leitoras de fanfic
se juntaram e criaram uma editora bem visionária. Além de publicar
fanfics (com as devidas modificações, é claro), a Interlude Press
irá publicar exclusivamente fanfics LGBTQ.
Se você clicar na imagem, vai pro site da IP :) |
Depois
de mais ou menos um mês de divulgação do projeto, os três
primeiros livros da editora estão disponíveis para pré-venda no
site oficial. A partir da data de lançamento, os livros também
estarão disponíveis internacionalmente. Eu conversei (por e-mail)
com uma das criadoras do projeto, para saber o que as levou a
fazê-lo, qual a importância das fanfics e como foi a reação dos
autores e leitores à ideia.
Entrevista com CL Miller, da Interlude Press
Você pode me
contar um pouco sobre o projeto?
A resposta curta é
que a Interlude Press (IP) é uma editora dedicada a romances LGBTQ,
mas é claro que é mais do que isso.
A companhia foi
criada por autoras e leitoras de fan fiction que também trabalhavam
com publicações, tecnologia e relações públicas/marketing, e um
dos grandes focos da companhia é incluir o trabalho de alguns
autores de fan fiction muito talentosos. Isso inclui publicar tanto
histórias novas quanto livros baseados em histórias que apareceram
primeiro como fan fiction.
Nós achamos que
existem alguns escritores maravilhosos nesse mundo [das fanfics], e
que eles merecem uma chance para publicar seus romances e ficção.
Nossa meta é ajudar a forçar a abertura da porta da indústria
editorial para eles e não só publicar seus livros, mas oferecer a
eles o suporte de marketing e editorial que eles não necessariamente
receberiam de uma grande editora. Nós somos muito honestos quanto ao
fato que os autores com os quais estamos trabalhando são do mundo
das fan fictions, e nós acreditamos em celebrar isso. Um dos modos
que fazemos isso é explicitando para os autores que estão
reimaginando histórias existentes de suas fan fictions que nós
queremos que eles mantenham seus originais na internet e disponíveis
de graça, seja no LiveJournal, no AO3(Archive Of Our Own), no S&C
(Scarves&Coffee, criada exclusivamente para fanfics de Kurt e Blaine, de Glee), no ff.net – em qualquer forma que esteja. Nós
também queremos que os autores continuem escrevendo nos fandoms e,
até agora, é exatamente isso que eles têm feito.
Com relação ao que
estamos publicando, nós queremos ser claros que as histórias que
são baseadas em fan fictions são, agora, histórias completamente
originais. Nós fomos cuidadosos ao escolher histórias que não eram
profundamente ligadas ao cânone (canon), que já incluíam cenários
originais e tinham um senso de personagens originais. Não é tão
incomum que os autores tenham uma ideia para uma história original
que eles rascunham no mundo dos fãs com a intenção de
eventualmente substituir elementos canônicos por personagens e
locais originais. É uma ótima maneira dos autores conseguirem um
feedback sobre o que funciona
e o que não funciona. Em alguns casos, os autores trabalhando com a
IP voltaram e reconstruíram completamente a história, adicionando
mais detalhes e enredo à fanfic que publicaram originalmente.
Nós
também estamos publicando histórias originais de ficção LGBTQ que
são novinhas em folha. Nós vamos começar a divulgá-las no
fim do outono. [No caso, na nossa primavera].
Como vocês
tiveram a ideia para a Interlude Press? Vocês estavam com medo das
reações dos autores e leitores?
Nesse mês, a ideia
do projeto completa um ano. Ela surgiu na Book Expo America do ano
passado, onde Annie (nossa Diretora Editorial e uma das três sócias
fundadoras) assistiu a uma palestra de um executivo de uma das Cinco
Grandes editoras dos Estados Unidos. Ele estava falando sobre “50
Tons de Cinza”, assim como muitos na conferência, e ele reconheceu
que a indústria editorial tinha perdido uma chance com as fan fics.
Ele disse que os editores deveriam estar ouvindo os fandoms, porque
eles é que poderiam direcionar as escolhas editoriais das editoras.
Annie mandou mensagens para mim e para Lex (nossa Diretora de
Tecnologia e a outra sócia fundadora) naquele dia, dizendo, “eles
estão certos, mas eles não entendem fandoms, ou fan fictions, o
mundo dos fãs. Há um processo de aprendizagem”. Isso foi o que
começou. Nós dedicamos meses de pesquisa e desenvolvimento ao
projeto antes de decidir incorporá-lo e torná-lo realidade.
Quanto
às reações, o máximo que você pode fazer quando começa um novo
negócio é pesquisar, conversar com quem tem mais experiência do
que você e aprender com ambos. Não importa quão bem você se
planeje, nada é garantido, e sim, nós estávamos um pouco nervosos
quando nós fizemos as propostas aos primeiros autores, mas as
reações foram fantásticas, muito melhores do que esperávamos,
tanto com os leitores quanto com os autores. Nós estamos satisfeitas
e muito, muito gratas.
Por que (e como)
vocês escolheram os autores que vão publicar?
Bom, esse é,
obviamente, um trabalho ainda em processo. Nós temos uma lista
comprida de autores com quem esperamos poder falar. Muita coisa
influencia nessa decisão. Existe, é claro, o fato de querermos
introduzir o mundo “de fora” aos ótimos autores de fan fics. E
existem autores que ou criaram obras icônicas de fan fiction, ou têm
a reputação de manter seus trabalhos consistentemente em uma
qualidade alta, não importa qual o gênero em que escrevem. Então
essa é uma parte, mas certamente não o todo. Parte de nossa meta é
fazer uma ponte entre a venda do mundo dos fãs e o público geral.
Nós estamos procurando por títulos que acreditamos que podem fazer
isso, e autores que acreditamos que podem acompanhar esse processo,
incluindo cumprir datas, trabalhar com múltiplos editores e
contribuir com o marketing de seu trabalho. Quando analisamos os
títulos já existentes, também existe a questão inevitável da
praticidade. Existem algumas histórias esplêndidas que nós
simplesmente não podemos publicar, seja por tamanho, complexidade
para editar, pelo fato de publicação prévia por um longo período,
ou por estarem simplesmente muito conectadas ao cânone de seu fandom
para ser possível refazer. Todos esses fatores, e mais, podem
afetar. Nós queremos produzir livros que sejam de boa qualidade e
acessíveis, e esses fatos afetam isso.
Nós anunciamos
apenas os primeiros autores que assinaram com a Interlude para
desenvolver romances e sagas. Nós continuamos falando com autores
sobre alguns títulos novos e reimaginados.
Vocês tinham
ideia do tipo de reação que a Interlude Press receberia?
Toda vez que você
começa um novo negócio, você se arrisca. Com sorte, é um risco
com base em uma pesquisa sólida. Ontem à noite [dia 13/05], nós
abrimos nossa livraria para pré-vendas, e as pessoas estavam
“enfileiradas” à meia-noite, esperando a abertura, o que foi
ótimo.
Nossos primeiros indicadores estão bons, e nós estamos otimistas,
mas temos muito trabalho duro por nossa frente.
As perguntas
internacionais continuam chegando para vocês, certo? Vocês estavam
preparados para tantas pessoas perguntando sobre envio e dispostas a
pagar por um livro internacional?
Que continuem chegando! Nós amamos receber perguntas de um público
internacional, e nós estamos nos preparando desde o começo para
vender os títulos da IP globalmente. Nós contratamos um grande
distribuidor global para tratar dos nossos pedidos internacionais.
Ele pode entregar livros em 195 países, então existe uma boa chance
que todos os leitores consigam comprar uma edição física de nossos
livros comprando em suas livrarias locais. Nós também vamos
oferecer pacotes digitais de eBooks em diversos formatos disponíveis
online. Nós vamos detalhar todas as formas de comprar tanto o livro
físico quanto o eBook em nosso site.
Que tipo de
reação vocês receberam dos autores quando entraram em contato com
eles? O contato foi feito exclusivamente online, ou vocês conheceram
alguns deles?
Essa é uma boa
pergunta, porque nós percebemos alguns equívocos quando anunciamos
a companhia. Os primeiros autores a publicar com a IP representam uma
seção transversal de autores que ou escrevem ou costumavam escrever
no mundo de fãs de Glee. Alguns deles nós conhecíamos bem. Outros,
nós conhecíamos apenas pela reputação, e essencialmente tivemos
que nós apresentar ou achar alguém que nos conhecia e confiava em
nós para fazer as apresentações. Alguns nós conhecemos
pessoalmente, e isso foi ótimo. Eu vi que a Chazzam estava visitando
LA alguns meses atrás, e aproveitei a chance de conhecê-la. Nós
nunca tivéramos uma conversa antes daquilo, e foi um pouco
intimidante porque o pensamento principal na minha cabeça era Essa
é a autora de The Sidhe. Eu
fico feliz de ter superado isso, porque Chazzam é uma das pessoas
mais legais e agradáveis que você poderia conhecer.
A resposta à
proposta foi incrível. Todo mundo disse sim? Não, mas todos
apoiaram muito e estavam dispostos a conversar sobre o assunto. E as
conversas foram memoráveis, e um pouco loucas, já que estávamos
coordenando horários globais. Houve perguntas inteligentes, e
risadas, e até algumas lágrimas. Lágrimas boas, de pessoas que
nunca acharam que teriam a chance de publicar um livro. Eu não sei
nem começar a descrever quão recompensantes essas conversas foram.
Nós três desligaríamos o telefone, e ficaríamos em silêncio por
um momento, e então uma de nós diria, inevitavelmente: “É por
isso que estamos fazendo esse projeto”. Relembrar esses momentos só
nos faz querer trabalhar ainda mais duro.
Eu vi algumas
fanfics com muitos links externos para várias coisas – scrapbooks,
playlists... - vocês planejam manter esses links nos livros
digitais?
Essa
é uma daquelas coisas que tornam as fan fics tão especiais – a
habilidade de ver essas inspirações transformadas em histórias. E
é uma das (muitas) razões para querermos que os autores da IP
mantenham suas fan fictions disponíveis online.
É
outra história para um livro publicado. Existem regras sobre os
direitos das músicas que tornariam as playlists proibidas pelo
custo. Dito isso, os autores da IP vão todos começar blogs de
autor, onde irão postar background dos livros, inspirações,
scrapbooks e qualquer outra coisa relevante para seus livros.
O
que é tão importante nas fanfics?
Essa
é uma pergunta ótima, importante e um pouco gigante!
Em
primeiro lugar, todos nós sabemos que autores (e leitores) de fan
fics têm que lutar por respeito há tempos. Diga o que for sobre 50
Tons de Cinza, mas pelo menos ele abriu os olhos de muitas pessoas
que previamente nem olhariam para fan fiction como algo legítimo ou
comercializável.
Primeiro,
e isso falando tanto do crédito quanto da imagem do gênero, existe
algo para todos nas fan fictions. E eu quero dizer todos.
Existem crack fic [fan fics engraçadas, de comédia], romance,
suspense, fanfics de episódio, e com mundos detalhados. Existem
fanfics monstruosas de 300.000 palavras. Existem rascunhos de 100
palavras. Existem romances que prevalecem e eu diria que passam
muitos best seller em termos de qualidade. E sim, existem as fan fics
pornôs. Algo para todos, e abençoados são os escritores de fan
fiction, cada um deles, por fazer isso.
E
essa é outra coisa que é realmente especial nas fan fics: a
diversidade de autores. Olhe a demografia das pessoas escrevendo
fics. Se estica de crianças a aposentados. Existem pessoas que nunca
escreveram ficção antes e que se sentem inspiradas a tentar graças
à fan fiction. Existem autores profissionais que estão apenas
“esticando as pernas”. Existem pessoas que talvez sempre
escreveram, mas nunca encontraram um público. Nas fan fics, elas
conseguem encontrar esse público, e conseguir o feedback de que
precisam para polir suas habilidades.
Esses autores
escrevem pelo amor de escrever, e o amor ao seu mundo de fã. E isso
é incrível. O fato de que tantas pessoas estão escrevendo,
simplesmente porque amam isso? É inspirador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário