((Uma pequena homenagem ao Mágico de Oz e à Elphaba))
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Ao entrar em seu
castelo, fui tomado por um medo absurdo. Eu esperava ser recepcionado
por um exército de macacos voadores ou outro animal igualmente
exótico, mas a própria Bruxa veio ao meu encontro.
Eu ouvira histórias
sobre ela, e imaginava que fosse o ser mais feio de todo o universo.
Diziam que ela aterrorizara a tudo e todos na terra de Oz, antes de
chegar a Confabula. Olhando para ela, no entanto, eu não conseguia
acreditar que ela fosse capaz de uma crueldade sequer.
De frente para mim,
estava uma mulher jovem, com os cabelos mais negros que eu já vira
na vida e olhos igualmente negros e sem expressão, vestida de preto
da cabeça aos pés, desde seu chapéu pontiagudo até suas
sapatilhas rendadas. Ela parecia decepcionada com a existência, não
ameaçadora. A única característica estranha que eu conseguia ver
era que sua pele era... Como dizer? Verde.
Antes que eu
pudesse abrir a boca para dizer algo, sua voz ressoou como um trovão
pelo castelo.
- Sem pedir “por
favor”. - Ela alertou, impassível. - E eu não estou usando
truques mentais. Essa sou realmente eu.
Ela se sentou em
seu trono, que era adornado por pedras azuis que reluziam no sol que
se punha, e tirou os sapatos.
Me ajoelhei de
frente para ela, e deixei minha cabeça tocar as pontas de seus pés
verdes descalços.
- Fabala, Grande e
Poderosa, eu desejo ser livrado da dor de ter um coração que não
funciona. Quero um coração que bata.
Ela ergueu as duas
mãos e as encostou em meu peito. Eram gélidas, como se ela já
estivesse morta. Quando não sentiu batimentos, voltou a descansar as
mãos em seu colo. Era uma visão desconfortável, uma mulher tão
imponente e fria me analisando.
- Você não
conhece a dor de carregar um coração cansado. - Ela me acusou, e eu
pude apenas abaixar ainda mais a cabeça e olhar o chão. Eu
realmente desconhecia essa dor, minha vida antes do incidente que me
deixara sem coração real fora simples e sem grandes acontecimentos
para meu coração.
Me preparei para
contar a história do Homem de Lata que eu conhecera a caminho de
casa, que fora enganado pelo Mágico de Oz e vagava desolado pela
floresta de Confabula, quando ouvira meus batimentos e me acertara
com seu machado, apenas para substituir seu coração de seda pelo
meu, que era vivo. Um dos dedos da Bruxa me calou, me impedindo de
contar minha história.
- Eu sei.
Então, algo
inesperado aconteceu. Ela atravessou a mão por sua pele e retirou do
fundo de seu peito o seu próprio coração. Era uma coisa velha,
maltratada, amassada e repleta de remendados por toda a parte. Era
verde e brilhava, apesar de ser um brilho fraco, gasto pelos anos. No
momento, pintava todo o salão de vermelho e verde, em colorações
vivas, enquanto a Bruxa o separava das artérias e veias que o
prendiam. O branco dos olhos dela sumiu durante todo o processo.
Eu não sabia como
reagir. Ao mesmo tempo, aquele era o coração mais feio que eu já
vira, pois fora muito maltratado e abusado, mas era o mais lindo de
todos pois era o único verde em todo o mundo e a Bruxa pretendia que
ele fosse meu.
Ela o ofereceu para
mim, e sua voz soou mais poderosa e mais triste.
- A partir de
agora, você vai conhecer um coração real. - Ela arfou, como se
perdesse o ar, e apontou para o portão do castelo. - Vá, e para
longe!
Eu não ousei
desafiá-la. Por mais que quisesse agradecê-la, dizer que eu
cuidaria bem daquele coração e que não teria dificuldades em
carregá-lo, sabia que não poderia desobedecê-la, então corri.
**
Quando
cheguei em meu quarto, coloquei-me de frente para o espelho, tirei a
blusa (e a manchei ainda mais daquele sangue bicolor) e abri meu
peito com uma de minhas facas de carne, seguindo o corte prévio do
Homem de Lata.
Tirei
aquele coração de seda que tanto me atormentava e encaixei meu
coração novo. Era bonito olhar para meu reflexo, agora completo, e
o verde contrastava com a minha pele pálida. Recosturei a pele com
única linha que encontrei, que era uma de crochê.
O
local ficou estufado por conta da linha, e também porque o coração
da Bruxa era um pouco grande demais para mim, mas eu não me
importava. Finalmente tinha um coração que batia novamente, podia
sentir outra vez.
**
Ele
começou a pesar na segunda semana. Senti o peso da insegurança, da
tristeza, do desprezo. Eu sentia que não era bom o suficiente, e
todas as vezes que passava por Winkie ele começava a arder.
**
O
ápice da dor e do desconforto aconteceu cerca de um ano depois,
quando conheci uma garçonete na fronteira de Oz. Ela era dona dos
olhos mais doces que eu já encontrara, e se aproximava de mim um
pouco mais com o passar dos dias.
Em uma
das tardes em que eu decidira tomar um café antes de seguir viagem,
ela me disse olá e eu senti o coração dentro de meu peito bater
como o tambor de um Munchkin. Eu não sabia o que dizer ou o que
fazer, mas tive a certeza de que ele se quebraria em mil pedaços
caso continuasse ali.
Saí
do café, mas o aperto continuou, então corri até meu automóvel e
me tranquei ali, esperando a dor passar, mas ela não passou. A cada
segundo, ela aumentava, e o coração verde parecia grande demais
para mim, crescendo a cada instante, a cada suspiro, a cada
respiração. Em meio a um delírio, julguei que a morte fosse um
destino melhor do que aquele.
Meu
coração novo era cheio de medo. Ele também se sentia sozinho e
solitário com muito mais frequência do que eu gostaria, e não
gostava que chegassem nele sem avisar. Ele se apaixonava fácil e,
ocasionalmente, não sabia como lidar consigo mesmo.
Enquanto
chorava – porque as lágrimas não eram opcionais naquela situação
-, eu tive que admitir que a bruxa estava certa: eu não conhecia a
dor de carregar um coração cansado. Pior ainda: eu não aguentava
carregar todo aquele peso. Minhas costas já estavam curvadas para
que eu conseguisse carregá-lo.
Dirigi
até minha casa e me tranquei no banheiro. Refiz o corte de um ano
atrás, e coloquei o coração de seda de volta. Minhas lágrimas
secaram no mesmo instante, e eu respirei aliviado. Segurando o
coração verde ensanguentado em minhas mãos, pensei no que faria
com ele.
Procurei
uma caixa de vidro antiga e o depositei ali dentro, onde ficou,
exposto em minha sala de estar para quem quisesse ver como era pesado
e feio um coração cansado e abusado. Quando minhas visitas o viam,
me perguntavam se eu preferiria colocá-lo em mim outra vez ou
continuar sem sentir, e minha resposta se mantinha a mesma: era
melhor não ter coração do que carregar o fardo de um coração que
viveu e amou.
Fim.
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